Berta Celeste Homem de Melo


Aniversários são comemorados desde o Egito antigo. Inicialmente restritos a faraós e deuses, o hábito se estendeu aos romanos até os primórdios do cristianismo quando o costume foi abolido por causa de suas origens pagãs. O Natal, aniversário de Jesus Cristo, somente passou a ser celebrado no século IV, o que fez ressurgir os festejos tradicionais. No decorrer dos tempos foram surgindo outros simbolismos como o bolo, as velinhas e a canção dos parabéns.

No Brasil, diariamente, centenas de milhares de pessoas comemoram seus aniversários. Provavelmente, na maioria das celebrações, seja cantada a melodia mais conhecida no país: “Parabéns a Você”.

A melodia da música americana foi criada pelas professoras e irmãs Mildred Jane e Patty Smith Hill. Em 1875, elas compuseram “Good Morning to All” (Bom dia a todos) para seus alunos na cidade de Louisville, no Kentucky. Em 1924, uma editora musical alterou o verso para “Happy Birthday to You”. A música com apenas seis notas foi utilizada em uma peça na Broadway, tornando-se ao longo dos tempos uma das mais populares da língua-inglesa, espalhando-se pelo mundo e chegando ao Brasil no final da década de 1930, cantada nas festinhas das famílias abonadas, em inglês mesmo.

Mildred-and-Patty-Hill

Em 1942, o cantor e radialista carioca Almirante, contagiado por um espírito nacionalista e irritado ao ouvir os brasileiros cantando a canção em inglês, realizou um concurso na Rádio Tupi do Rio de Janeiro para escolher uma letra em português, recebendo em torno de cinco mil cartas do país inteiro. O júri formado pelos escritores Cassiano Ricardo, Olegário Mariano e Múcio Leão, todos da Academia Brasileira de Letras, escolheu a quadrinha composta por Léa Magalhães, pseudônimo de Berta Celeste Homem de Melo, que criou versos em português para a monótona canção original. O prêmio foi de duzentos cruzeiros, sendo a música interpretada pelo “Trio de Ouro”.

“Parabéns a você
Nesta data querida
Muita felicidade
Muitos anos de vida”

Berta Celeste nasceu em 21 de março de 1902, filha única do casal de fazendeiros José Joaquim e Maria da Conceição Varela Homem de Melo. Muito cedo ficou órfã de mãe, indo cursar o ginásio no Colégio Caetano de Campos em São Paulo. Casada com seu primo Lorival Homem de Melo e mãe de Lorice, Berta tinha 40 anos na ocasião do concurso e morava em Pindamonhangaba, sua cidade natal. Embora formada em farmácia, levava a vida de uma simples dona de casa que gostava de ouvir o velho rádio de válvulas, fazer poemas e crônicas. Ao descobrir os jingles, passou a criar rimas para diversos produtos, ganhando prêmios, alguns em dinheiro, outros em mercadorias. Porém, ela não imaginava que a despretensiosa quadrinha, criada em cinco minutos, se transformaria na música mais cantada no país. Além da canção de aniversário, compôs “Arraiá” gravada pelo cantor e apresentador Rolando Boldrin. Na área literária, uma coleção de seus escritos foi reunida em um livro por ela intitulado “Devaneios”.

Aos 54 anos, Berta e sua família mudaram-se para Jacareí, residindo na Rua Pompílio Mercadante, já que a filha Lorice veio lecionar em uma pequena escola no bairro dos Remédios. Aqui residindo, viveu grandes emoções com sua mais famosa canção, especialmente durante a festa do IV Centenário da cidade de São Paulo e também na visita do Papa João Paulo II à cidade de Aparecida em 1980. Entretanto, Dona Berta irritava-se com os “erros gravíssimos” cometidos pelos brasileiros ao cantar sua versão: o certo seria “Parabéns a você” (e não “pra você”); “nesta” (e não “nessa”) e por fim, “muita felicidade”, no singular. Veja entrevista com Dona Berta

Berta Celeste Homem de Melo

Dona Berta faleceu em Jacareí, vítima de uma pneumonia, em 16 de agosto de 1999, aos 97 anos, sendo sepultada em Pindamonhangaba. No ano anterior havia recebido o Título de Cidadã Jacareiense. Também em sua homenagem, seu nome foi dado a uma rua no loteamento Jardim Terras de Santa Helena.

Dona Berta recebendo o título de cidadã jacareiense

Curiosidades:

O “Parabéns a você” é o momento mais importante de uma festa de aniversário. Terminada a canção, surge um grito de evocação: “E pro Fulano, nada! Tudo! Então como é que é? É”, seguido do conhecido e enigmático “É pic, é pic, é pic, é pic, é pic! É hora, é hora, é hora, é hora, é hora! Rá, tim, bum! Fulano, Fulano, Fulano!”.
Mas de onde teria surgido este complemento que nada tem a ver com a melodia original? A versão mais conhecida, divulgada pelo site da FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, diz que a origem remonta à década de 1920 a um grupo de estudantes boêmios da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, entre eles Ubirajara Martins de Souza, apelidado “Pic-Pic”. Quando saiam para beber no bar Ponto Chic, no Largo do Paissandu, os alunos precisavam esperar meia hora por uma nova rodada de cerveja, tempo para a bebida resfriar nas barras de gelo. No momento oportuno passavam a gritar: “É meia hora, é hora, é hora, é hora, é hora”. Naquela época, os populares estudantes das “Arcadas” eram constantemente convidados para eventos da sociedade paulistana e o canto do “pic-pic” foi-se difundindo pelas festas de aniversário, se estendendo, depois, para todo o país. Em alguns lugares do Brasil, como o Rio de Janeiro, canta-se “É big”, evidente influência da língua americana sobre o canto popular.

E quanto ao “Rá-Tim-Bum”? Existem duas versões: naquele período, recebeu a Faculdade a visita de um rajá indiano cujo nome tinha a sonoridade parecida com Timbum, o que deu a oportunidade de os alunos incorporarem ao final dos seus cantos um novo grito de guerra: “Ra-já-Tim-bum!”. No entanto, a versão mais provável seria a tentativa de reproduzir a sonoridade de uma fanfarra e seus instrumentos como a caixa (Rá), os pratos (Tim) e o bumbo (Bum).

A autora, o bolo, a vela e os singelos versinhos

 

Direitos Autorais:

As autoras da melodia original registraram a canção em 1893. Trinta anos depois, o americano Robert Coleman editou um livro e sem autorização alterou a letra original para “Happy Birthday to You”. A canção ganhou popularidade e em 1933 Jessica Hill venceu uma briga judicial pelos direitos autorais da música. Dois anos depois, a empresa Birchtree Ltd adquiriu a canção e administrou seus direitos por mais de meio século, vendendo-a em 1988 à editora Warner Chappell. A composição passou a domínio público nos Estados Unidos em 2015.

No Brasil, a composição não enriqueceu a autora da letra. Os direitos autorais só começaram a serem recolhidos dois anos depois do concurso realizado da Rádio Tupi, ocasião que a gravadora Continental adquiriu os direitos de execução. A primeira gravação foi realizada pelo grupo “Milionários do Ritmo” com vocais de “Os Trovadores”. Dona Berta lembrava-se que relutara em assinar o contrato com a Continental porque a gravadora havia modificado sua letra: em vez de “parabéns, parabéns”, alteraram para “parabéns a você”.

Os herdeiros da autora brasileira recebem somente os direitos sobre a letra em português, representando 16,66% do valor arrecadado pelo ECAD – Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais. O restante é dividido entre a Warner Chappell e os herdeiros das duas autoras americanas. Segundo a revista americana Forbes, a execução comercial da música rende em média aos cofres da Warner mais de dois milhões de dólares anuais.

A Legislação Brasileira protege os direitos do autor durante a vida e após 70 anos de seu falecimento. No caso da versão nacional de “Parabéns a Você”, o prazo de proteção vencerá em 31 de dezembro de 2070. No entanto, nas últimas décadas do século XX, Dona Berta ficou sem receber metade de seus direitos autorais. Isso porque em 1978 o produtor musical Jorge de Mello Gambier criou uma segunda estrofe seguindo a mesma melodia: “A você muito amor / E saúde também / Muita sorte e amigos / Parabéns, parabéns.” Este trecho, gravado pelo grupo “As Melindrosas”, liderado pela cantora Gretchen, se tornou parte da versão original e o produtor passou a ser considerado coautor, recebendo metade dos direitos autorais, posteriormente perdidos para os herdeiros de Dona Berta após uma disputa judicial encerrada em 2009.

 

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *